terça-feira, 5 de abril de 2011

Não tenha vergonha de si, e não minta

[stáriets é um cargo religioso, corresponde a um guia espiritual, um chefe de um mosteiro da Igreja Ortodoxa Russa]
" - (...) 'Bendito o ventre que te concebeu e benditos os peitos que te amamentaram, os peitos sobretudo!' Com aquela observação de há pouco 'Não tenha tanta vergonha de si mesmo, porque todo mal vem daí", o senhor como que me transpassou e leu em mim. Justamente, quanto me dirijo às pessoas, parece-me que sou a mais vil de todas e que todo mundo me toma por uma palhaço; então digo a mim mesmo 'Sejamos palhaço, não temo vossa opinião, porque vós sois todos, até o derradeiro, mais vis do que eu!' Eis porque sou palhaço, por vergonha, eminente padre, por vergonha. Somente por timidez é que me faço de valentão. Porque se estivesse certo, ao entrar, de que todos me acolheria como um ser simpático e ajuizado, meu Deus! como eu seria bom! Mestre - pôs-se de repente de joelhos - , que é preciso fazer para ganhar a vida eterna?
 Mesmo então, era difícil saber se brincava ou cedia ao enternecimento.
(...)
- Sobretudo não minta ao senhor mesmo. Aquele que mente a si mesmo e escuta sua própria mentira vai ao ponto de não mais distinguir a verdade, nem em si, nem em torno de si; perde pois o respeito de si e dos outros. Não respeitando ninguém, deixa de amar; e para se ocupar, e para se distrair, na ausência de amor, entrega-se às paixões e aos gozos grosseiros; chega até a bestialidade em seus vícios, e tudo isso provém da mentira contínua a si mesmo e aos outros. Aquele que mente a si mesmo pode ser o primeiro a ofender-se. é por vezes bastante agradável ofender a si mesmo, não é verdade? Um indivíduo sabe que ninguém o ofendeu, mas que ele mesmo forjou uma ofensa e mente para embelezar, enegrecendo de propósito o quadro, que se ligou a uma palavra e fez dum montículo uma montanha - ele próprio  o sabe, portanto é o primeiro a ofender-se, até o prazer, até experimentar grande satisfação, e por isso mesmo chegar ao verdadeiro ódio... Mas levante-se, sente-se, rogo-lhe; isso também é um gesto falso."

Irmãos Karamázov; cap "Um velho palhaço" - Fiódor Dostoiévski

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